29 de nov. de 2016

SÉRIE - REFORMA LUTERANA - CONFISSÃO DE AUGSBURGO

 ARTIGOS DA FÉ E DA DOUTRINA LUTERANA


ARTIGO XX - DA FÉ E DAS  BOAS OBRAS

Os nossos são acusados falsamente de proibirem boas obras. Pois os seus escritos sobre os Dez Mandamentos bem com outros escritos provam que deram bom e útil ensino e admoestação a respeito de estados e obras de cristãos verdadeiros, de que pouco se ensinou antes de nosso tempo. Insistia-se ao contrário, em todos os sermões, principalmente, em obras pueris e desnecessárias, tais como rosários, culto de santos, vida monástica, romarias, jejuns e dia santos prescritos, confrarias, etc. Também o nosso oponente já não exalta essas obras desnecessárias tanto quanto antigamente. Além disso, também aprenderam a falar, agora, da fé, sobre a qual nada pregaram em tempos anteriores. Agora, contudo, ensinam que não nos tornamos justos diante de Deus unicamente por obras, mas acrescentam a fé em Cristo, e dizem que a fé e as obras nos tornam justos diante de Deus. Essa doutrina pode trazer um pouco mais de consolo do que quando apenas se ensina a confiar em obras. Visto, pois, que a doutrina da fé, que é o artigo principal no cristianismo, foi negligenciada por tempo tão longo, como é forçoso confessar, havendo-se pregado apenas doutrina de obras por toda a parte, os nossos deram a seguinte instrução a respeito: Em primeiro lugar, que nossas obras não nos podem reconciliar com Deus e obter graça: isto, ao contrário, sucede apenas pela fé, quando cremos que os pecados nos são perdoados por amor de Cristo, o qual, ele só, é o mediador que pode reconciliar o Pai. Agora, quem pensa realizar isso mediante obras e imagina merecer a graça, esse despreza a Cristo e procura seu próprio caminho a Deus, contrariamente ao evangelho. Essa doutrina a respeito da fé é tratada aberta e claramente por Paulo em muitas passagens, de modo especial em Efésios 2: "Pela graça foste salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, porém é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie, etc." E que aqui não se introduz interpretação nova é coisa que se pode provar com Agostinho, que trata essa questão diligentemente e também ensina assim, a saber, que alcançamos a graça e nos tornamos justos diante de Deus por intermédio da fé em Cristo e não por obras, conforme mostra todo o seu livro De spiritu et litera. Conquanto essa doutrina seja muito desprezada entre pessoas não experimentadas, verifica-se, todavia, que é muito consoladora e salutar para as consciências tímidas e apavoradas. Porque a consciência não pode alcançar descanso e paz mediante obras, porém, somente pela fé, quando chega à segura conclusão pessoal de que, por amor de Cristo, possui um Deus gracioso, conforme também diz Paulo em Rm 5.1: "Justificados mediante a fé, temos descanso e paz com Deus". Em sermões de outrora não se promoveu esse consolo, porém, impeliram-se as pobres consciências para as próprias obras, e se empreenderam diversas espécies de obras. A alguns a consciência impeliu para os mosteiros, na esperança de que lá poderiam granjear graça mediante vida monástica. Alguns excogitaram outras obras com o propósito de merecer graça e satisfazer por pecados . A experiência de muitos deles foi não haverem alcançado a paz mediante essas coisas. razão por que foi necessário pregar essa doutrina da fé em Cristo e dela tratar diligentemente, a fim de que se soubesse que é somente pela fé, sem mérito, que se apreende a graça de Deus. Dá-se, outrossim, instrução para mostrar que aqui não se fala da fé possuída também pelos demônios e os ímpios, os quais também crêem os relatos que contam haver Cristo padecido e ressuscitado de entre os mortos; fala-se, ao contrário, da fé verdadeira, que crê alcançarmos por Cristo a graça e a remissão dos pecados. Aquele que sabe que por Cristo possui um Deus gracioso, esse conhece a Deus, invoca-o, e não está sem Deus, como os gentios. Porque demônios e ímpios não crêem nesse artigo da remissão dos pecados. Por isso é que são inimigos de Deus, não o podem invocar, e anda de bom podem esperar dele. A Escritura fala sobre a fé no sentido que acabamos de indicar, e não entende por fé um conhecimento que demônios e homens ímpios têm. Pois em Hebreus 11 ensina-se, com respeito à fé, que crer não é apenas conhecer a história, mas ter confiança em Deus e receber sua promessa. E Agostinho também nos lembra que devemos entender a palavra "fé", na Escritura, como significando confiança em Deus de que nos é clemente, não apenas conhecer tais notícias históricas que também os demônios conhecem. Ensina-se, ademais, que boas obras devem e têm de ser feitas, não para que nelas se confie a fim de merecer graça, mas por amor a Deus e em seu louvor. Sempre é a fé somente que apreende a graça e o perdão dos pecados. E, visto que pela fé é dado o Espírito Santo, o coração também se torna apto para praticar boas obras. Porque, antes, enquanto está sem o Espírito Santo, é demasiadamente fraco. Além disso, está no poder do diabo, que impele a pobre natureza humana a muitos pecados, como vemos nos filósofos que se lançaram à empresa de viver vida honesta e irrepreensível e, contudo, não conseguiram realizá-lo, porém caíram em muitos pecados graves e manifestos. É o que acontece ao homem quando está sem fé verdadeira e sem o Espírito Santo e se governa apenas pela própria força humana. Por isso, não se deve fazer a essa doutrina concernente à fé a censura de que proíbe boas obras; antes, deve ser louvada por ensinar que se façam boas obras e oferecer auxílio quanto a como se possa chegar a praticá-la. Pois que para praticar boas obras, invocar a Deus, ter paciência no sofrimento, amar o próximo, exercer com diligência ofícios ordenados, ser obediente, evitar maus desejos, etc. Tais obras elevadas e autênticas não podem ser feitas sem o auxílio de Cristo, conforme ele mesmo diz em Jo 15.5: "Sem mim nada podeis fazer". (Livro de Concórdia: As Confissões da Igreja Evangélica Luterana. São Leopoldo: Sinodal; Canoas: Ulbra; Porto Alegre: Concórdia, 2006, pg. 37-39)

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